sábado, 12 de outubro de 2013

2ª Parte: "Lágrimas Profundas"

Depois dele ter terminado não fechei os olhos e nem sequer tirei-os do tecto por nenhum segundo. parecia ter perdido os sentidos, nem sentia sequer o meu respirar, era como se eu tivesse morrido, e foi assim durante um bom tempo, e num instante surgiu uma energia fora do natural em mim parecia ser uma alma a entrar em meu corpo e a auxiliar a minha alma, que naquele momento estava praticamente morta, ou seja, sem vontade de viver. Levantei da cama  mas sem sentir o meu corpo, e com os pés descalços  e em passos descompassados sai de casa, com o vestido de noite que parecia um trapo rasgado que cobria o meu corpo.. O sol já nascia e as ruas da cidade Luanda já estavam preenchidas de gente, e andava sem olhar para os pormenores do meio em que circulava, parecia louca, acredito que tinha passado mesmo por um momento de perturbação  mental, não me lembro de rostos, de lugares, não me lembro de ter comido alguma coisa, de falar e nem sequer de fechar os olhos para dormir nas noites em que  apanhava a quentura da fogueira com os mendigos, e nem de sentir o meu corpo, que estava extremamente magro, que durante esse tempo foi protegido por uma coberta que encontrei em meus caminhos.
Os pés estavam rasgados, cheios de calos, mas não sentia a dor , não havia sentimentos em mim. E cada vez mais me sentia desequilibrada,sem forças, completamente desnorteada, parecia que a energia que sentia estava a desaparecer, e numa noite de sexta-feira, andava perdida com um maior descompasso, e a energia estava na sua ultima gota, meu corpo ficou sem forças, a escuridão tornou-se intensa em meus olhos e cai....
Abri os olhos  com grande dificuldade, a luz feria-os, tentei protege-los com a mão direita e magoei-me com a agulha que tinha na veia, estava a apanhar soro, era o terceiro balão. E apareceu um rosto negro de uma mulher com o cabelo curto e frisado que nem um rapaz, e acarretava naquele instante um sorriso contagiante.
- Olá menina! Tens de agradecer a Deus por teres aberto novamente esses lindos  olhos claros. Falou acariciando meu cabelo.
Olhei para os lados e notei que estava num quarto de super classe de uma clínica de renome nacional, olhei para a bata da enfermeira, mas não tinha o nome da clínica.
- Como eu vim parar aqui? Perguntei serrando os dentes. Foi a primeira vez que falei desde o sucedido.
- Um jovem trouxe você até a nossa clínica. Respondeu surpreendida. - Ele não é o pai da criança?
- Qual criança?
- Ainda não sabes?com um sorriso mais intenso. -você esta grávida! O sorriso da enfermeira perdeu a intensidade  ao notar as lágrimas a escorrerem sobre o meu rosto.
- O que foi menina ? Não é motivo para chorares. Abanei a cabeça para direita à esquerda inúmeras vezes.
- Não, não, não pode ser! Não pode ser verdade. Lamentei com os dentes serrados.
- Oh menina! Precisas ter calma, não chores. Limpou minhas lágrimas com a sua mão. - Como te chamas?perguntou. - Flor. Respondi sem animo.
- Que nome lindo, tem tudo haver contigo, eu vou buscar uma ficha para preencher os teus dados, e vou ligar ao Imael para avisar que já despertaste. E num segundo ela desapareceu do quarto.
Parecia que o céu tinha caído sobre mim, que Deus tinha me abandonado, eu estava só no mundo, sem sequer uma bengala de consolo.
Tirei a agulha da minha veia, senti alguma dor, o braço parecia uma pedra, coloquei os meus pés descalços ao chão e senti a dor  das feridas e dos calos, e me sentia meia tonta.
- preciso de sair daqui! Andava em rodeios, fui até a janela , olhei para fora, estava no segundo andar.
Abri a porta e havia um grupo de enfermeiras no corredor, para sair sem ser notada tinha que trocar de roupa, tirar aquela bata, parecia uma tarefa difícil, mas sai do quarto na mesma, os enfermeiros estavam distraídos, não notaram, e andei perdida pelos corredores do hospital e por sorte estavam vazios. Cheguei até ao vestuário dos funcionários de limpeza, parecia a de um clube de futebol de grade nível, um dos chuveiros estava ligado, era intenso o barulho da água sobre o chão. Por cima do banco comprido tinha um uniforme que tinha acabado de ser usado, sem demora tirei a bata e coloquei o uniforme e olhei para o espelho. O meu rosto estava magro, amarrei o cabelo e sai, sem ninguém se aperceber.
E quando estava completamente fora da clínica lembrei que não tinha pra onde ir, isso quase levou-me a loucura, senti a cabeça a esquentar , o coração batia muito mais rápido , o sangue sobre as veias era mais veloz, coloquei as mãos na cabeça e sentia o mundo a girar, o barulho dos motores e das buzinas dos carros magoavam meus ouvidos, me encolhi , com os joelhos sobre o queixo, as mãos na cabeça e a costa encostada numa parede....

  Continua...

    Duval Cabral in "Lágrimas Profundas"

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